Uma aniversariante repetente
Ensinam-nos, desde cedo, que não conseguimos prever o futuro. Há um ano fomos postos à prova [de aferição e aflição] e já podemos admitir que a grande maioria falhou a escolha múltipla que valia mais pontos. Há precisamente um ano, as mensagens de aniversário que recebi chegavam cheias de promessas para “quando tudo isto passar”. Não vos posso julgar. Todos achávamos que “isto” ia passar em poucos dias – no máximo dos máximos, num mês estava tudo resolvido. Pensar que no ano seguinte estaria tudo demasiado parecido era uma anedota, ainda se lembram? Erámos alunos tão inocentes. Andamos uma vida inteira a ouvir que “ninguém adivinha o dia de amanhã” e nós queríamos logo dar por garantido um festão de aniversário em menos de 12 meses. Falhámos as aulas de matemática ou as de língua portuguesa em que se aprende que “festão” é o português arcaico de “ajuntamento”?
Tem a sua graça olhar para trás e perceber como os aniversariantes do primeiro confinamento, aqueles que foram [mesmo] surpreendidos com a nova dinâmica de festejar à distância, acreditavam que ia ser uma data inesquecível. Olhem só para nós agora. De tão bom que foi, cá estamos a repetir a experiência. Somos repetentes, o que significa que começamos a tornar-nos bons nisto. Quem não, depois deste ano louco [faço questão de vos avivar a memória, só para o caso de não se terem apercebido].
Como qualquer bom repetente, já nos é inerente aquela postura superior e o olhar de esguelha, reflexo do desprezo e do cansaço que é ouvir toda a matéria pela enésima vez. Já não nos apanham na curva. Reconhecemos a melhor altitude e latitude para apanhar internet em casa e dominamos a arte das videochamadas [até já perdoamos as mães/avós que não nos “deixam na mão”, mas nos deixam a falar com a testa]. A lenga-lenga do mundo à distância de um click é-nos tão familiar que soa demasiado redutora. Foi um ano que podia ter sido um dia, aquele em que descobrimos que entre a teoria e a prática sempre houve uma grande distância de segurança, porque nas ilustrações detalhadas do manual nunca caberão todos os detalhes palpáveis da vida.
Não sei se erámos alunos distraídos ou se só queríamos passar de ano. Mas passámos [e passámo-nos]. Cá estamos. Cá estou, um ano depois de ter soprado as velas sob a promessa de dias melhores, mais seguros, mais iguais aos que sempre conhecemos. Talvez não tenha sido este o cenário que me prometeram [o do festão, lembram-se?]. E, contudo, apesar de todas as semelhanças com ano anterior, há, na mesma quantidade, motivos para acreditarmos que dias melhores estão para chegar. Continua a ser para esse futuro do “quando tudo isto passar” que olhamos quando nos repreendem por não estarmos a prestar atenção à aula. Nunca estivemos tão atentos como agora. Às vezes, só precisamos de um intervalo. E a campainha está a tardar a soar.
Hoje sopro 23 velas num cenário idêntico ao mesmo onde soprei 22. Dizem que estou de parabéns. Aqui entre nós, acho que estamos todos de parabéns. Neste último ano, temos dado tudo [e mais um bocadinho]. Se isso não é motivo para festejar, então não sei o que será.
Pedir para os 23 anos [acabadinhos de estrear] um futuro-imprevisível-que-nos-dá-a-sensação-de-termos-tudo-sob-controlo parece-me o mínimo. Acho que todos temos saudades.
Atenção às mensagens com promessas que não têm 100% de certeza de poder cumprir. É claro que agradeço os pensamentos positivos – e, sim, haveremos de festejar quando tudo isto tiver um fim –, mas vou começar a desconfiar que andam a fazer queixinhas à direção. Vou ligar o Zoom e comer bolo. Parabéns a nós por, depois deste ano louco, ainda sabermos datas de aniversário de cor.
A aniversariante [repetente e agradecida],
Carol