Ensinam-nos, desde cedo, que não conseguimos prever o futuro. Há um ano fomos postos à prova [de aferição e aflição] e já podemos admitir que a grande maioria falhou a escolha múltipla que valia mais pontos. Há precisamente um ano, as mensagens de aniversário que recebi chegavam cheias de promessas para “quando tudo isto passar”. Não vos posso julgar. Todos achávamos que “isto” ia passar em poucos dias – no máximo dos máximos, num mês estava tudo resolvido. Pensar (...)
Escolhe uma música que te faça sorrir. Aumenta o volume da coluna portátil que, de estar desligada faz tempo, já não sabe se te deva dar música ou se é música para os teus ouvidos. Não faz muita diferença, pois não? Ela só precisa de confiar no teu bom gosto. E tu... Tu só precisas de acreditar que o som estará suficientemente alto de cada vez que a voz te falhar. Depois é fácil. Canta. Dança. As duas ao mesmo tempo. Coordenadas. Descoordenadas. Não importa. Mas não (...)
Lá vais tu. De passo apressado, empurrado à força pelo vento e como que obrigado a fugir da chuva que se esconde atrás do mau feitio das nuvens. Ao longe, quem te veja esfregar as mãos uma na outra com esse fervor, até pensa que te preparas para pôr em prática um plano maquiavélico digno do policial da sessão da meia noite. Ao perto, estás só a espalhar o álcool gel entre os dedos. Ainda por cima, é um daqueles que deixa as mãos pegajosas, impróprias para utilizar em (...)
Na minha rua morava uma velhinha que tinha sempre os pés frios. Às vezes gelados. As manhãs passavam-se à meia luz do sol naquele rés-do-chão. Os estores, puxados para cima por alguém sem força ou muito preguiçoso, deixavam a descoberto um vislumbre do tecido coçado dos cortinados. Talvez fosse apenas o efeito dos vidros muito sujos que os fazia parecer terem muitas histórias para contar. A porta da rua precisava há anos, mais do que aqueles que conseguimos contar pelos (...)
De cotovelos apoiados no tampo da secretária, beberricava o chá a ferver na caneca enquanto esperava o início de uma videochamada com uma amiga – na tentativa de substituir os lanches presenciais que partilhávamos com frequência – e pensava na normalidade com que passámos a olhar para as distâncias de um mundo a duas dimensões. A vida cabe, com a maior das facilidades, em ecrãs que, se antes nos davam proximidade, agora nos recordam como estamos longe. As rotinas ajustam-se ao (...)
- É o fim dos dias positivos! Parece que sim, Soldado. Quer dizer, é o início de dias muito mais positivos do que foram os últimos 14 [até nos significados que atribuímos às palavras, 2020 conseguiu ser maroto!]. O nosso diário partilhado fecha-se hoje. Com a consciência de que, de um momento para o outro, poder-se-á voltar a abrir. Porque ainda não conhecemos o fim, o mundo ainda está virado do avesso, ainda está longe de ficar tudo bemcomo nos prometiam. Porque (...)