Moedas perdidas que encontram lugares seguros
Senta-se sempre ali. Na mesinha da ponta da esplanada, onde toma um café cheio e um copo de água morna. Ali vê quem passa. A rua é estreita. Não passam carros, mas alguns tuck tucks aventuram-se na inclinação. As caras são quase sempre as mesmas, por isso ele abre o jornal na expectativa de encontrar algo novo. A textura daquelas folhas e a tinta que lhe vai marcando os dedos ao ritmo da leitura ainda é aquilo que move as manhãs solitárias. Crimes e coisas absurdas. Não perde muito tempo com pormenores. Espreita as letras gordas e acompanha as fotografias com a meia torrada que pede quando leva a leitura pela metade. Agora fala-se de tudo, fala-se demais. Todos sabem o que dizer. Ninguém sabe o que fazer. Isto já viu dias melhores. Não fosse a manteiga derretida no pão de forma e as notícias não tinham sabor. Permanece em silêncio. No futebol é mais do mesmo e a política mistura-se com outros temas. Há presidentes de tudo que não são nada e quase são presidentes do mundo. Esse também não vai melhor e já se viu em páginas mais animadas. Tanta publicidade. Da torrada já só resta o guardanapo. Do café já só resta o pires e a chávena. O copo ainda está cheio de água. É a sobremesa da manhã, a hidratação da última página. Será que ainda se compram jornais? Parece que agora já os passaram para os telemóveis. Esses malditos que absorvem pessoas. As palavras cruzadas já estão feitas, como habitualmente acontece. Não que ele chegue tarde ao café. O jornal é que, possivelmente, já leva uns dias de atraso. Ou semanas. Ou meses. Que ele não vai ali todos os dias. Que bom seria. Folhear as histórias e as imagens de pessoas. Cada vez mais trágicas, cada vez mais tristes. Que nunca o encontrem. Na certa, seria primeira página. Bebeu a água para afastar esse pensamento. Tirou as moedas do bolso. Conta certa, como sempre. Levantou-se de bolsos vazios. Talvez voltasse no dia a seguir, dali a duas semanas ou dois meses. Preparou-se para descer a rua. Quando voltasse a encontrar moedas no chão, voltaria para pôr a leitura em dia. O dinheiro não paga tudo, mas aquele que ele vai encontrando, perdido pelos turistas, paga o café, a meia torrada e um jornal desatualizado. Paga as histórias do mundo impressas num papel.
O que diriam as notícias de alguém que não tem nada, mas que, ainda assim, se encontra naquele lugar seguro pago com moedas perdidas?
Carol