Memória de Dory com espaço para setembro
Por vezes, quando tomo consciência da facilidade com que me esqueço de determinadas coisas sinto que não há no mundo memória pior do que a minha. Depois lembro-me da Dory - aquele peixe azul meio amalucado que é impossível não adorar - e isso tranquiliza-me, ainda que não arrisque entrar numa competição para saber qual a memória que sai vencedora. Mas, mesmo assim, dona de um esquecimento muito pouco invejável, há memórias que me ficam, quais sobras de autocolantes esfregados com álcool no armário que me acompanhou toda a infância. E setembro, concretamente esta altura do regresso às aulas, reaviva em mim muitas das recordações que tenho.
É como abrir um álbum de fotografias reunidas apressadamente. Não há uma ordem cronológica dos acontecimentos e muito menos um fio condutor que os ligue, mas está lá tudo. Os primeiros dias são os mais marcantes, ou pelo menos os primeiros a que tenho sempre acesso. Recordo-os em fragmentos. Os pés inquietos a balouçarem sem tocarem na gravilha do pátio, as cores vivas da roupa a estrear e o, sempre igual, perfume dos materiais novos. Por fora, um leve olhar de desdém para a criança que era há um ano - e o orgulho no tempo que nos separa e que, por isso, nos distingue. Por dentro, com os nós dos dedos brancos de tanto apertar a mão dessa mesma criança - porque afinal não há nada que nos separe, a não ser uns centímetros e uma maior crença nos sonhos que continuamos a partilhar. São assim. Todos os anos, vistos pela minha memória.
É setembro. Os anúncios do regresso às aulas estão por todo o lado, compram-se materiais escolares sob o cheiro dos cadernos por estrear e a televisão mostra pais a fazerem contas à vida para os filhos poderem vestir a última tendência da moda no primeiro dia de aulas. É setembro e a minha memória de Dory dá pulos de alegria por poder trazer ao de cima o seu lado mais nostálgico. É como uma tradição que se quer sempre igual. Há espaço para nervos - porque também há mais consciência [espero!] da importância que é dar mais um passo em direção ao futuro - mas o entusiasmo do recomeço permanece intacto como me lembro de o ter sentido naquele dia em que os pés não tocavam na gravilha do pátio; e no ano anterior e cinco anos depois. É essa ânsia de um novo começo [que nada mais é do que uma continuação] que reúne todas as memórias e as coloca a descoberto nesta altura do ano.
O início do Mestrado está mesmo aí. Depois conto se foi um primeiro dia digno de ser recordado por esta memória de Dory. Isto, claro, se não me esquecer entretanto.
Espero que - uma vez que me foi dada esta característica - me sinta, pelo menos, como peixe na água.
Carol