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it's carol

Um blog sobre tudo. Sobre o que me apetecer. Acima de tudo, sobre o que sou.

11.Jan.19

As segundas oportunidades deviam trazer um laço?

Não achas que devíamos saber dar segundas oportunidades? Não o pergunto por razão nenhuma em particular, só porque tenho estado a pensar nisto. Cansada de pensar tanto sobre o mesmo, para ser sincera. Estou enterrada debaixo de três mantas e nenhuma delas me aquece o suficiente para eu conseguir pregar olho e deixar de pensar - "segundas oportunidades". Para não falar das primeiras. Este assunto perseguiu-me o dia todo. E tu sabes como são os dias lá no café. Meia dúzia de clientes impacientes ao balcão à espera que lhes serviam o café para depois nem olharem para a nossa cara quando atiram as moedas para cima do balcão - "está certo?". Apetece-me sempre perguntar se se referem ao pagamento ou à atitude.

 

Hoje atendi um grupo de amigos completamente extasiados. Possivelmente, os melhores clientes do dia. Não que me tivessem convidado para sentar com eles, mas sabes como são os grupos de amigos: perdem tempo a escolher, a olhar para nós, a ouvir o que temos para sugerir e, no fim, não nos atiram o dinheiro com ar de desprezo. Enquanto servia cafés e descafeinados, estive a assistir à sua troca de presentes. Não percebi se adiantaram o natal, se o atrasaram ou se, pura e simplesmente, costumam fazer aquilo porque lhes apetece. Só se via papel de embrulho, sacos coloridos e laços espampanantes a voarem pelos ares. 

 

Estiveram no estabelecimento uma hora. Nem os gritos quase histéricos próprios da idade me irritaram. E nem sei se consegui esconder o meu desapontamento quando a porta se fechou e deixei de os ver. Ainda me aproximei sorrateiramente da montra, mas já não havia ninguém. O ambiente ficou novamente em silêncio e eu ali, entregue à impaciência de quem só "quer um café, por favor". Deves achar que estou para aqui a lamentar o facto de já não ter a idade daqueles miúdos, mas isso é porque ainda não te contei o resto. 

 

A 10 minutos de encerrar o estabelecimento, apareceu um rapaz. Aproximou-se do balcão, cabisbaixo. O gorro que trazia enfiado na cabeça mal deixava ver os olhos pequenos, escondidos atrás do cabelo despenteado. Os olhos dele mal conseguiam fixar os meus. Pousou um pequeno embrulho no balcão e pediu um copo de leite fresco. Não tinha cara de quem me fosse pedir uma cerveja, muito honestamente. Bebeu-o de uma assentada só. Espalhou algumas moedas na palma da mão e pediu-me que tirasse as que pagassem o seu pedido. Devias ter visto como ele estava triste. Não aquela tristeza que nos escorre pelo rosto ou que nos enruga a testa. O silêncio e o tom das poucas palavras. Era essa a tristeza dele. Peguei no dinheiro e, assim que virei costas para o guardar na caixa, apercebi-me da lentidão com que aquele miúdo se encaminhava para a saída. Levava as mãos dentro dos bolsos de um casaco demasiado largo e usado e cabeça a olhar para baixo, como se verificasse se os pés ainda ali estavam. Reparei no embrulho e ainda gritei - "olha, esqueceste-te disto!". Os nossos olhares cruzaram-se. Ele encolheu os ombros - "para que é que me dão um laço se não me dão uma segunda oportunidade?". 

 

E desapareceu. Desapareceu como desapareceram os miúdos que ali estiveram horas antes. A porta bateu. Ainda corri e espreitei lá para fora, mas nada. Ali estava eu, novamente sozinha. Eu e um embrulho perfeito. Achas que as segundas oportunidades deviam trazer um laço?

 

Guardei o presente esquecido junto às minhas coisas. Tenho esperança que o miúdo volte para o recuperar, depois de lhe darem a única coisa que ele, realmente, queria: uma segunda oportunidade. Ou, provavelmente, nunca saberei o que aconteceu. Certo é que  aquele gorro enfiado pela cabeça abaixo foi o embrulho que ele arranjou para passar despercebido num mundo em que damos sem nos darmos primeiro. 

 

Tomamos um copo de leite amanhã? Se já não te lembrares de mim, estarei de gorro, à tua espera.

T.

 

[carol]

 

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