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it's carol

Um blog sobre tudo. Sobre o que me apetecer. Acima de tudo, sobre o que sou.

07.Mar.18

A minha viagem é uma pessoa. E ressona.

Fui de viagem. Regressei há mais de uma semana e nesse espaço de tempo tenho tentado organizar aquilo que pus em stand-by durante 5 dias. Será a primeira vez que escrevo no blog sobre uma viagem que fiz. Pelo menos, é a primeira vez que escrevo sobre viajar no sentido literal da palavra [quantas vezes é que não ando por aqui a viajar na maionese?]. Com todo o respeito pela profissão, não sou guia turística e estou longe de me tornar num mapa mundo. Por isso não esperem um itinerário ou algo do género. Partilharei as coordenadas de dias felizes, acho que isso é o suficiente para nos orientarmos. Estive com quatro amigos em Praga, na República Checa. Foi a primeira vez que viajámos sozinhos, sem pais nem professores nem nenhuma autoridade superior que se aproveita do mundo e organiza mapas para os dias. Como se ficarmos perdidos não fosse a coisa mais natural ou como se o mundo fosse tão organizado assim. Levávamos essa liberdade nova e o entusiasmo de poder pô-la em prática. E, sejamos sinceros, não íamos para o outro lado do mundo. Tudo o que precisávamos ia connosco. Tudo e mais um bocadinho... as bagagens tinham excesso de peso. Nós tínhamos excesso de vontade de fugir.

 

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Viajar é bom que se farta! Viajar com as pessoas que fazem parte da nossa maior viagem, aquela que fazemos diariamente e sem mapas, é melhor que bom! E não é que a vida dá voltas até nas voltas que nós lhe queremos dar? Talvez por cansaço, talvez por delírio, reparei que, no regresso a Portugal, viajávamos com um senhor que bem podia ser a personificação desta viagem. Sim, se esta viagem fosse uma pessoa, seria, sem dúvida, aquele senhor. E é por ele, e por o termos encontrado no regresso, que faz sentido começar a história a partir do fim. O avião tinha lugares livres suficientes para termos a sorte de calhar exatamente na fila que antecedia a fila de alguém que vinha para Portugal com muita vontade de dormir. E também com muita vontade de ressonar, como se aquela fosse a última vez que ressonaria na vida. A descontração com que estava sentado no banco, recostado para trás, de olhos fechados e com a boca escancarada [sabem quando vão ao dentista?], era exatamente a mesma descontração com que partimos para Praga. Possivelmente, havia em nós descontração a mais e calor a menos. Vestimos várias camisolas, camisolinhas e casacos, calçámos vários pares de meias, meinhas e luvas. E íamos bem armados com cachecóis, gorros e capuzes. Estaríamos prontos para o pior dia de inverno em qualquer lugar do mundo. Pensávamos nós. Afinal, se é assim o inverno na República Checa, espero que nunca tomemos contacto com o pior dia da estação. Regressando ao avião e ao ressonar do senhor que nos acompanhou, recordo aquele som como o som do desinteresse, do despreconceito, da inconsciência de que não estamos sozinhos no mundo. Essa é uma das melhores partes de viajar. Deixar para trás o preconceito e desfrutar do facto de sermos desconhecidos noutro país que nem sequer fala a mesma língua que a nossa. Não importa como estás vestido, não importa se acertas na gramática de várias línguas que acabas por juntar nem que seja para te desenrascares no momento, não importa se te apetece rir alto no meio da multidão ou se tens de correr no meio da rua para apanhar o metro. Supostamente, ninguém te conhece, ninguém te está a observar. Importa, claro, em qualquer parte do Mundo saber manter o respeito. Isso é universal. Isso e o ressonar em alto e bom som em público. Desculpem, é um trauma que ficou. E, ao recordá-lo, não consigo não sorrir porque, provavelmente, Praga ouviu-nos rir no mesmo volume e viu-nos dormir com a boca tão ou mais aberta.

 

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Estávamos cansados. A toda a hora. Tínhamos frio. A todos os minutos. Tivemo-nos uns aos outros. A todos os segundos. Por isso perdemos a noção do tempo e ignorámos os horários. A meio da viagem, depois do primeiro impacto, acordámos para a vida. Serviram a refeição leve no avião e percebemos que não há uma boa comida italiana que não funcione fora de Portugal e, por acaso, fora de Itália. E, fora de brincadeiras, a comida checa não nos deixou ficar mal. O senhor voltou a esticar as pernas e nós preparámo-nos para o regresso da música de fundo. Mas ele não estava para aí virado e puxou de um livro que deve ter ido buscar aos sonhos da primeira hora de voo, abriu-o e passou a hora seguinte nas mesmas duas páginas. Nada diferente do que nos aconteceu a nós, à exceção de que estivemos sempre de cabeça erguida e olhos bem abertos. Fizemos história naqueles dias, escrevemos memórias, pontuámos a jovialidade que nos caracteriza e conhecemos personagens num universo que, paginado, organizaria eximiamente a narrativa num livro daqueles que gostamos de manter por perto. Tentámos encontrar um bom ritmo para a leitura. Um ritmo que nos permitisse usufruir do enredo, visualizar as imagens e viver todas as emoções das palavras, dos gestos e dos parágrafos, quando o descanso assim o permitia. Demorámo-nos no que pudemos e, ainda que na pressa de não desperdiçar pitada, conseguimos recapitular o essencial: as pessoas fazem as viagens, as viagens fazem as pessoas e as duas juntas reúnem as características necessárias para um Best Seller.

 

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E, de um momento para o outro, o livro fechou-se e estávamos de volta ao nosso território. Perdemos o senhor. Para bem de todos os futuros passageiros de aviões, espero que nunca o cheguem a encontrar. Ainda que ele fosse uma personificação desta ida que fiz a Praga, está muito longe de ser um bom companheiro de viagem. Fica muito por contar. Estou com vontade disso, mas hoje não acrescento mais nada. O primeiro post que escrevo sobre uma viagem não tem uma única referência a um momento turístico. Porque antes desse detalhe, está o que me deixou mais feliz: viajar com quatro pessoas que adoro e desfrutar de detalhes que não são vendidos em agências de viagens. 

 

Entretanto, já pus o sono em dia. Espero não ter ressonado tão alto. Mas de uma coisa podem ter a certeza, se aquele senhor for mesmo a personificação desta viagem, a felicidade fala-se em sonhos, de boca aberta e bem alto para que todos percebam que os mapas felizes se fazem na loucura de seguir os caminhos desconhecidos de olhos fechados, guiados pelas pessoas que conhecemos melhor. 

 

Carol

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