Mesa para 22
Lembro-me que, há pouco mais de um mês, tentava escolher um lugar para reunir os amigos e, juntos, apagarmos as 22 velas de um bolo comprado numa pastelaria na véspera. Lembro-me tão bem do momento em que sabia tão pouco que o tanto que se sucedeu ocupa agora memórias difusas. Os primeiros casos e o caos total. As aulas suspensas e a suspensão das restantes folhas do calendário. O ficar em casa até tudo passar e sairmos disto mais passados do que já eramos. Os telejornais como música de fundo constante e, constantemente, a música para os nossos ouvidos que se tornou o Rodrigo Guedes de Carvalho.
Lembro-me que ainda não tinha decidido nada. Estava longe de imaginar que não ia ser preciso. Que, nestes tempos que vivemos e que tão estranhos nos parecem, a presença física não é o mais importante. A família e os amigos também se reúnem à distância. As velas também se apagam [com outra magia, é certo] por videochamada. Os bons momentos também existem quando cada um de nós os guarda com memórias visuais tão diferentes. As janelas também são bons presentes para nos lembrarmos que o mundo continua lá fora, à nossa espera. As boas histórias também são resultado de imprevistos que deixam qualquer um de boca aberta. E os anos, esses, nunca vão deixar de passar.
Lembro-me que já não faltava muito para, algures, marcar uma mesa para todos nós. E, adivinhem, deixei de ter essa preocupação – acreditem, foi bem mais fácil reservar uma mesa na cozinha cá de casa. Ai de mim que não diga que entro nos 22 uma pessoa mais despreocupada [levante um cartaz com um arco-íris desenhado à mão quem disser o contrário!].
Lembro-me que, em tão pouco tempo, a vida [para todos aqueles que têm essa felicidade] não mudou quase nada, apenas nos trouxe para dentro de casa, pela primeira vez, mais desconfortáveis do que nunca, por sabermos que o mundo que vemos das nossas janelas nunca mais será o mesmo. Quero acreditar – eu, que adoro boas metáforas – que entro nos 22 anos rodeada de tantas elas e de histórias que, um dia, iremos contar com orgulho de termos ultrapassado um momento histórico. Talvez para o ano. Depois de apagarmos as 22 velas e enquanto ganhamos fôlego para apagar as 23 que se seguem.
Não me irei esquecer deste aniversário. Num ano em que nunca estaremos tão sós, também nunca estivemos tão perto. E a mesa da cozinha, para além de espaço para todas as videochamadas do mundo, tem também cadeiras para as três pessoas mais importantes destes últimos 22 anos.
Que nunca nos esqueçamos do que é realmente importante lembrar :)
Uma aniversariante em tempos de quarentena,
Carol