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it's carol

Um blog sobre tudo. Sobre o que me apetecer. Acima de tudo, sobre o que sou.

19.Fev.20

Manhãs de sonho

A expressão “acorda para a vida” não faz sentido nenhum para quem gosta de levar no bolso uma vida cheia de sonhos. Até compreendo que não só de sonhos se fazem as manhãs preguiçosas e as sestas batoteiras, mas parece-me que todas as noites mal dormidas se empanturram de sonhos por cumprir. E todos os que sonham, um dia também têm de acordar. Só que, primeiro, é preciso entregarmo-nos ao sono que nos leva aos sonhos.

 

Não há mal nenhum em acordar na vida, em lançar um braço para cada para lado e aproveitar a independência de um mundo que se desenvencilha sozinho lá fora. Os sonhadores são também da noite, mas principalmente das manhãs. Porque a madrugada é a metáfora perfeita para quem, para além de sonhar, também sonha fazer acontecer os sonhos. Quando acordo, vejo, muitas vezes, por entre as frestas dos estores ainda por abrir, a cor de cada concretização que ambiciono. Parece até mais fácil sonhar de manhã, sob todas as cores quentes que se forçam a entrar na escuridão, todas as gotas de chuva que ficaram para contar a história da noite anterior, todas as infinitas possibilidades que cabem num corpo ainda meio adormecido.

 

E, por muito que a manhã os embeleze, os sonhos não gostam de despertadores, nem de ser arrancados da cama à força. Daí todos os sonhadores apreciarem a lentidão com que desenham cada um dos seus sonhos enquanto se preparam para encarar a realidade de olhos semicerrados e sobrolho franzido. Claro que todos os sonhos sobrevivem às manhãs mais agitadas, ao primeiro toque entre a planta do pé e o piso gélido, a uma cara lavada à pressa. Ou, pelo menos, sobrevivem os mais resistentes à realidade de que nem sempre serão idealizados a pormenor, entre as frestas de uma atmosfera onde se respiram sonhos sob o nascer do sol.

 

Os sonhos cabem em todas as horas. Mas as manhãs tornam-nos mais palpáveis. É por isso que a expressão “acorda para a vida” não faz sentido nenhum para quem sabe que basta acordar na vida para levar alguns sonhos no bolso e deixar outros escondidos para a manhã seguinte.

 

E melhor do que acordar e continuar a sonhar, é fazer o dia acontecer. 

 

Carol

 

Manhãs de Sonho.JPG

 

04.Fev.20

Fosse eu escrever metade do que me vem à cabeça

Uma folha em branco tem espaço para dois ou três mundos loucos como aquele em que vivemos. Ou mais. Mais mundos e mundos mais loucos. É por isso que, na lista de coisas que as pessoas mais gostam, em primeiro lugar deveriam constar as palavras. Gostamos de chocolate, de passeios ao pôr-do-sol, de longos dias de sol e de noites de inverno a ouvir a chuva lá fora. E gostamos sempre de música, até mesmo quando preferimos o silêncio. E esquecemo-nos sempre que também gostamos das palavras, até mesmo quando elas não ganham vida fora do nosso pensamento. Eu cá gosto de pintar letras perfeitas em folhas em branco. Fosse eu escrever metade do que me vem à cabeça.

 

Dizia-vos as cores que cheiram a primavera, descrevia-vos os sons de um final de tarde solarengo, explicava-vos o sabor de uma manhã no sofá. E mostrava-vos que, mesmo as palavras que nos deixam ficar mal, nunca nos deixam ficar sós. Não apenas nos rodeiam de universos infinitos, como elas próprias são uma infinidade de pequenos mundos. São a música que torna um chocolate muito mais do que um doce por que qualquer criança está disposta a comportar-se bem ou que torna um passeio ao pôr-do-sol muito mais do que uma conversa profunda sobre quem consegue ver o fim do oceano. Fosse eu escrever metade do que me vem à cabeça.

 

E nem sequer precisava de vos falar em palavras. Contava-vos uma história. Falava-vos sobre os problemas que aquela mulher que desce a rua sempre à mesma hora esconde por detrás de um sorriso luminoso, apresentava-vos a família que acabou de se mudar para a casa da frente e cuja filha mais se escapole a meio da noite para escrever versos de amor nas paredes dos prédios vizinhos, convidava-vos a vaguearem pela rua onde cheira sempre a gasolina e a panquecas acabadas de fazer. Não precisavam de acreditar. Só teriam de me ouvir, como ouvem repetidamente a banda sonora do filme que está no topo da lista das coisas que mais gostam. Fosse eu escrever metade do que me vem à cabeça.

 

Metade nunca seria a quantidade suficiente para me encher as medidas. Mas já era qualquer coisa. Porque, se ao início eu achava que não suportava folhas em branco, afinal o que eu não suporto mesmo é a ideia de não existirem folhas em branco suficientes para tantas palavras escritas. Fosse eu escrever metade do que me vem à cabeça.

 

E talvez deixasse de haver espaço neste nosso mundo para tantas folhas, para tantas listas, para tantas histórias, para tantos pequenos universos de sons e aromas. Mas nunca deixaria de haver palavras. Porque as que não coubessem neste mundo, criariam um novo e deixavam-me continuar a ser feliz sentada a uma secretária, com uma folha em branco nas mãos, a tentar escrever-vos as metades que dão sentido a este todo.

 

Carol

 

Fosse eu escrever metade.JPG