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it's carol

Um blog sobre tudo. Sobre o que me apetecer. Acima de tudo, sobre o que sou.

28.Jan.19

6 fases que só quem vê séries compreende

Nos dias que correm é importante falarmos abertamente sobre os assuntos que mais nos preocupam, assuntos deveras fraturantes para a sociedade atual. Assim sendo, e sem mais rodeios, preparem-se: vamos falar sobre séries [já referi que é um tema fraturante?]. Calma, não vamos falar, especificamente, sobre séries, mas sim sobre quem assiste às mesmas [e que, por causa disso, deixa de ter vida para o que quer que seja, a não ser para devorar cinco temporadas em três dias].

 

Aqui entre nós, sériodependentes, acho importante deixarmos bem explicitas as fases que atravessamos. Passar um dia inteiro no sofá, de comando na mão, enquanto o mundo acontece lá fora não é fácil. É, para quem não nos compreende, uma tarefa árdua. A qualquer momento, alguém pode lembrar-se da nossa existência. E depois? Deixamos a meio o último episódio da temporada? Ficamos sem saber com quem acabou o protagonista ou quem o matou ou como o matou ou como poderá a sua vida continuar numa nova temporada? São muitas questões para um só cérebro. Não é fácil. Vivemos sempre na incerteza se podemos viver para a série ou na série.

 

Assumam-se sériodependentes e digam que me compreendem. Se ainda estão na dúvida, verifiquem os sintomas e tirem as vossas próprias conclusões. Estas são as fases que só quem vê séries compreende [e pelas quais todos os sériodependentes passam]:

 

1ª Fase - Desconfiança inicial. Não sabemos bem se gostamos. Começámos a ver porque a série nos foi sugerida por um amigo ou ouvimos boas críticas. Na verdade, estamos carentes porque não temos nada mais para ver enquanto esperamos pela próxima temporada de uma série que adoramos e encontramos algum conforto por começar a ver algo novo. Sentimo-nos reticentes e avançamos sempre prontos a abandonar sem remorsos, amigos na mesma e ninguém sai magoado desta relação. Geralmente, esta desconfiança desaparece por volta do segundo episódio [caso contrário, é óbvio que o melhor é mesmo desistir]. 

 

2ª Fase - A primeira pesquisa. Fase também conhecida como O Início Do Fim. Depois de dois episódios, e se estamos mesmo a gostar do que vemos, é inevitável uma visita rápida à internet para saber quem são os atores, como é a sua carreira, como surgiu a série, factos e curiosidades sobre a mesma, os bastidores, os melhores momentos, as entrevistas ao elenco, os vídeos sobre "Segredos que ninguém sabe"... Ninguém se prepara tão bem para uma entrevista de emprego como para assistir a uma série. É verdade. O nível mais avançado desta fase é seguir todos os atores nas redes sociais [inclusive o perfil da própria série] e sabermos que não há ninguém que saiba mais do que nós sobre todo aquele universo. Claro que é importante [imprescindível até] saber com que idade o protagonista decidiu que queria seguir representação.

 

3ª Fase - Não distinguir os conceitos 'realidade' e 'ficção'. Permitam-me que seja honesta, mas esta fase chega muito antes de nos apercebermos. Sabem quando estão na rua e passam por alguém que vos parece mesmo aquela personagem? E quando um amigo vos pede um conselho para resolver um problema e a primeira coisa que vos ocorre é que aquela situação é muito semelhante àquela pela qual a vossa personagem preferida passou? Parece que a série vos persegue. Os nomes, as expressões, as roupas e até as músicas. Quando damos por nós, fomos completamente apanhados pelas personagens e seriamos capazes de qualquer coisa para as ajudar [admitam!]. Criamos uma ligação afetiva com alguém que não existe e, aos nossos olhos, isso não é assustador. Bolas, passamos por momentos intensos juntos, é normal que se crie uma relação afetiva. Agora a sério: já alguma vez sentiram que a cara de uma personagem vos era mais familiar do que a cara de um familiar vosso? 

 

4ª Fase - Bipolaridade de maratonista. Disto ninguém fala. Todos somos um bocadinho bipolares quando assistimos a uma série. A determinada altura, quando começamos a ver a meta, decidimos que queremos cortá-la o mais rapidamente possível, porém, sabemos que, ao fazê-lo, não nos resta nada se não esperar pela próxima corrida. Ponderamos sobre o assunto. É claro que estamos ansiosos [nervosos até!] para conhecer o final, mas o que será de nós depois? Fazemos uma pausa entre dois episódios. Esticamos as pernas. Se calhar, continuamos amanhã, demoramos mais um bocadinho a terminar para não vermos tudo num dia só... Tarde demais. É claro que ao último pensamento já estamos sentadinhos à espera que comece um novo episódio. O que seria de nós se não vissemos, no mínimo, uma temporada em 24 horas? Nem pensar nisso. Se tivermos de sofrer, que seja por não termos mais séries para ver [rima, mas na prática não é assim tão poético]. 

 

5ª Fase - Sós neste mundo. Mudança de perspetiva perante a 4ª fase: se tivermos de sofrer, que seja por ainda termos uma série para ver. Devíamos ter pensado nisso antes. Agora estamos sós. Sentimos que já não pertencemos aqui. Ninguém fala a nossa língua, ninguém entende as nossas piadas privadas, ninguém compreende como sobrevivemos sem saber quem é o culpado durante mais um ano porque afinal houve um plot twist e a produtora decidiu que tinha de fazer render o peixe até à próxima temporada. O nosso calendário já não se divide em meses, mas sim em temporadas. As nossas amizades não nos parecem tão interessantes porque ninguém matou ninguém. Aquela pessoa de quem nunca gostámos continua a ser a pessoa de quem nunca gostámos porque nunca muda da categoria 'má' para a categoria 'boa' [como aconteceu com aquela personagem que detestámos no primeiro episódio e que afinal merecia uma segunda oportunidade]. É como se, de repente, tivéssemos aterrado noutro mundo onde não sabemos viver. Que vida têm as pessoas que têm uma vida?

 

6ª Fase - Vontade incontrolável de apagar a nossa própria memória. Todos já o desejámos um dia. Embora esta fase esteja num outro patamar para todos os sériodependentes, é facilmente compreendida por todos os que têm uma série preferida. Quem nunca quis poder rever uma série e fazê-lo como se fosse a primeira vez? Não seria interessante passarmos pelas mesmas experiência? Sermos surpreendidos com um final que ninguém espera, sonharmos com a resolução de um caso de polícia, criarmos teorias sobre o futuro do casal de protagonistas, tentarmos chegar a uma conclusão sobre as boas intenções de determinada personagem? Até tenho receio de repetir muitas vezes [não vá a tecnologia fazer das suas], mas um produto para apagar memórias-carentes-e-cheias-de-bons-episódios seria, certamente, um sucesso de vendas. Depois desta fase, resta-nos esperar pelo aparecimento de uma nova 'vida' [boa sorte com isso!].

 

Não me deixem sozinha nisto. Sei que somos muitos a viver neste ciclo. Qual a fase com que mais se identificam? Já agora aproveito para vos deixar um conselho, dois, aliás: You e Sex Education [garanto-vos que tiveram direito a todas as fases descritas acima!]. Aqui entre nós, que falamos a mesma língua, algum conselho para mim?

 

Quando acharem que é só uma fase, desenganem-se: é uma temporada inteira!

 

Carol

 

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21.Jan.19

Às páginas tantas [#10]

Antes de começar a escrever este post, apercebi-me de que não escrevo um Às páginas tantas desde setembro do ano passado. E, muito honestamente, não sei se estive todo este tempo sem abrir um livro a sério, daqueles que me enchem as medidas, ou se a vida académica me fez achar que tinha a leitura em dia. Mas isso é outra história. Entrei em 2019 com uma lista de livros tão grande que corro o risco de ter confundido alguns dos títulos com os desejos de ano novo.

 

Abri o calendário com uma estreia absoluta na minha biblioteca: Vem voar comigo, de Margarida Rebelo Pinto. Foi-me enviado pela JB [obrigada, Joana!] e era um dos livros que mais aguardava, sendo, por isso, o primeiro a ser folheado [e completamente devorado] com toda a atenção. Uma das primeiras coisas que esta obra me fez perceber foi que tinha cometido um grande erro: nunca tinha lido nada da autora. Como não? Identifiquei-me muito com o seu estilo de escrita, o que aumentou ainda mais o meu entusiasmo e me fez chegar rapidamente ao final. Se tivesse de descrever Vem voar comigo numa expressão, diria que é um tiro certeiro. Tão certeiro que só me apetecia anotar, no caderninho-de-frases-para-não-esquecer, parágrafo atrás de parágrafo. Sobre o amor, mas acima de tudo sobre como as mulheres se relacionam com o amor na sua forma mais fugaz ou intensa. Sobre ser mulher nos dias que correm [ou nos que não correm e são passados no sofá]. Sobre três seres do sexo feminino tão diferentes e, ainda assim, com tanto em comum. 

 

« A natureza é isto, quando uma planta se decide a crescer, é preciso domá-la para que não se torne maior do que a própria vida. »

- Vem voar comigo

 

Este livro fez-me sorrir e rir [muitas vezes]. Sem meias palavras, vai direto ao assunto e diz aquilo que, muitas vezes, pensamos sobre o tudo o que nos rodeia. É uma reflexão, sem vergonha da vida em geral, aos olhos de três mulheres que, afinal, têm um bocadinho de todas nós. Podemos nem sempre concordar [mas não vamos conseguir ignorar e ficamos a refletir sobre o assunto] ou, de vez em quando, querer sublinhar toda uma página com o marcador mais fluorescente que tivermos à mão [por acharmos que podíamos ter sido nós a escrevê-lo]. 

 

Vem voar comigo entrou diretamente para a minha lista de livros preferidos [também conhecida por lista de livros-que-vou-manter-por-perto-e-de-certeza-ler-muitas-vezes], o que significa que 2019 não podia ter começado em melhores páginas. Lembram-se de vos ter falado na minha viagem aqui? Pois fiquem a saber que não podia ter aterrado mais segura nem ter escolhido uma primeira paragem que me recebesse tão bem. Adorei a escrita sem rodeios de Margarida Rebelo Pinto. Confesso que quero ler mais livros da autora. Alguma sugestão desse lado?

 

Às páginas tantas, e nem de propósito, levantei voo para um paraíso reconfortante e que me atingiu bem perto do coração [sabem quando sentem que estão em casa?].

 

Carol

 

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[para verem as minhas sugestões de leitura anteriores basta clicarem aqui!]

18.Jan.19

O cliché da vida real

Não sei se é do sol de inverno. Não sei se é da rotação da Terra. Não sei que voltas a vida dá para terminar numa vida que não parece vivida aqui. Pode ser o efeito da ressaca do repouso ou o tropeçar nos dias que se mostravam demasiado longos para caberem num relógio de pulso. Pode ser a troca da banda sonora com início no despertador pelo silêncio matinal que se espreguiça e se aconchega sem nunca se revelar por completo. Deve ser isso. Isso e o renovar de um playlist que já andava a ganhar pó de tão abandonada e desatualizada que estava. Pode ser o abanar de cabeça ao som de uma música que pede um pézinho de dança ou o repeat de uma balada que pede a descodificação da letra. Pode ser o equilíbrio entre a pausa e o play. Pode e é alguma coisa, certamente. É uma vida que deixa saudades antes de acabar. Um resort que merece uma despedida demorada para que não seja possível esquecer a estadia. Pode ser do frio, dos casacos quentes e dos cachecóis que abrigam o pescoço. Pode e deve ser das mãos enfiadas nos bolsos à espera da chegada do calor. Pode ser uma data de reuniões que o planeta tratou de agendar para o mesmo dia, à mesma hora, no mesmo lugar.

 

Não sei se me idealizaram ou se fui escolhida num casting. Não sei se o cenário foi desenhado propositadamente. Não sei se me tornei personagem de uma qualquer história cliché. Só sei que me senti a seguir as deixas de um guião que alguém um dia escreveu e espalhou por aí. Sentada num cadeirão grande e confortável, de auscultadores nos ouvidos, volume da música no máximo, copo de café com leite a escaldar numa mão, um livro por iniciar na outra, os raios de sol a entrarem pela janela mesmo à minha frente e uma cidade sedenta de atenção do outro lado do vidro. Pode até ter sido um sonho. Pode até ter sido desenhado. Pode ter sido tudo em tão pouco tempo. E foi.

 

Não sei se é do sol de inverno. Não sei se é da rotação da Terra. Não sei que voltas a vida dá para terminar numa vida que não parece vivida aqui. E ali estava eu. De frente para uma janela. As janelas inspiram-me. E, se estava a sonhar, então sonhei como se quer: com o mundo a acontecer à minha frente. 

 

 

Não sei. Mas não duvido que este momento está escrito algures numa página perdida ou numa cena esquecida. E, quando a vida parece um filme, o melhor mesmo é seguir as indicações e não perder a deixa. 

 

Carol

 

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16.Jan.19

4 coisas que considero imprescindíveis para 2019

O mês de janeiro vai a meio e, por ser um daqueles meses que parece que não tem fim, sei que ainda venho a tempo de vos trazer uma lista de coisas [palpáveis] que não vos podem faltar em 2019. Recentemente estabeleci uma parceria com a JB Comércio Global, uma fornecedora, distribuidora e grossista em papelaria, economato, brinquedos e muito mais. Por confiar numa empresa que conta com 20 anos no mercado, tenho a certeza que não nos vai deixar ficar mal em 2019 [nem nos vai levar à falência, graças às promoções espetaculares que faz nos mais variados artigos].

 

Assim, a pensar no bem de todos nós [que a vida não está fácil para ninguém], aliei-me à JB para fazer esta lista de 4 bens materiais que considero imprescindíveis para 2019:

 

- Uma agenda. E quem diz uma agenda diz um organizer, um caderno ou um bloco de notas. A mim faz-me sempre falta ter um papel e uma caneta por perto. Embora recorra com frequência ao telemóvel ou ao computador para tirar notas, não há nada como ter um  papel à mão que não se desliga por falta de bateria ou bloqueia quando mais precisamos dele. Depois disto, sinto que estou pronta para dizer a frase "no meu tempo é que era bom". E era. Já vos disse que adoro agendas, blocos, cadernos e tudo o que pertença a esta família? 

 

- Livros. Não há discussão. Um ano sem livros não é ano sequer. Se ainda for a tempo de pedir um desejo de ano novo, então quero que 2019 seja um ano de boas leituras. Fazendo um pequeno spoiler da história da minha vida, começo este ano com a ler o livro que a JB me enviou [e sobre o qual escrevei brevemente]: "Vem voar comigo", de Margarida Rebelo Pinto. Segue-se uma longa lista de livros que me sorriem. Contudo, se não souberem o que ler, podem sempre espreitar as sugestões da JB aqui. Já agora, têm alguma sugestão para mim? O que andam a ler?

 

- Memórias USB. O que seria de mim sem elas? Desde dezenas de trabalhos para a faculdade a milhares de fotografias que não consigo evitar captar, passando ainda por documentos que nem sei bem o que são ou como foram criados, não há computador com memória suficiente para tanto conteúdo. Sei que, por muitas mudanças que 2019 traga, esta não será uma delas. Continuarei a precisar de memórias extra e tenho a certeza que estamos de acordo, não é? Admitam, também passam pelo processo de guardar documentos como: trabalho-final, trabalho-final-1, trabalho-finalíssimo, desisto-este-é-mesmo-o-trabalho-final, não passam?

 

- Albúns de fotografias. Sim, sei que estão a pensar que os albúns de fotos já não se usam, que são uma coisa do século passado. Estão redondamente enganados. Tiramos tantas [tantas!!] fotos que o que acaba por acontecer, na maioria das vezes, é que não vimos nem metade ou esquecemos e nunca mais voltamos a elas. Adoro imprimir fotografias. Sinto que lhes dou uma imortalidade diferente daquela que já está subjacente ao conceito de fotografia, percebem? Um álbum é um ótimo presente para oferecer [e receber, vá lá, sejamos sinceros] e quase que se pode transformar num livro que conta uma história com as nossas imagens. 

 

Que tal? Aposto que se identificaram e verificaram que, pelo menos, uma destas coisas não vos vai faltar em 2019. Acrescentariam mais alguma à lista? 

 

Já não falta tudo para janeiro terminar. Entretanto, aqui entre nós, sugiro que aproveitem a Black Friday que a JB realizará no dia 18 [têm desculpa, ainda é "ano novo" durante mais duas semaninhas]. 

 

Carol

 

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14.Jan.19

Estou de viagem marcada

A todos os que me procurarem nos próximos tempos, aviso de antemão que vou viajar. Para longe, bem longe daqui. Vários destinos e algumas paragens pelo meio. É bem possível que esteja, propositadamente ou não, pouco contactável. Terei todo o gosto em partilhar as minhas experiências convosco num futuro próximo, mas agora deixem-me ir. Não vou sozinha [muito pelo contrário], contudo ainda não conheço os meus companheiros de viagem. Desejem-me boas companhias: divertidas e desafiantes. Ainda não fiz as malas e não vejo mal nenhum nisso, a bagagem está mais que preparada para ser despachada daqui para fora. Estou há demasiado tempo sem ter tempo para espairecer. Mentalmente, fiz um desenho da rota que pretendo seguir. Se o GPS se enganar nas coordenadas, eu troco-lhe as voltas e havemos de nos entender assim. Estarei em lugares seguros, segura de mim e de um merecido descanso, depois de fazer o mesmo caminho o semestre inteiro. 

 

Depois de me aventurar em terrenos movediços com temas que nem sempre me disseram muito, mas sobre os quais tive muito para dizer nas folhas de teste, agora entrego-me o enunciado e recuso a folha de rascunho. Imaginem-me como quiserem - deitada numa espreguiçadeira numa praia paradisíaca a beber água de coco ou a beber chocolate quente em frente a uma lareira numa casa aquecida no topo de uma montanha coberta de neve. Imaginem só. Uma coisa é certa: espero trazer muito mais bagagem do que aquela que levo. Isso é inevitável quando se viaja, não é? 

 

Pois fiquem sabendo que, para além de estar mesmo a precisar, tenho muitas saudades de o fazer. Só preciso de ir. E o melhor é saber que, para onde quer que vá, estarei como quero. E, neste momento, o que quero mesmo é embarcar. Aviso à tripulação: termino hoje os exames na universidade e tenho como destino as páginas mais próximas. Vou ler, senhores! Vou voltar a ter tempo para ler algo que não esteja na bibliografia de uma disciplina. Os meus livros. Há tempos que ando a namorar este destino que, sempre incerto, é certo que me oferece uma estadia muito confortável. Aproveitando o rumo da conversa, digo-vos já que aceito as vossas sugestões de "paragens obrigatórias" para os próximos dias [igualmente válidas para filmes e séries!].

 

Fui. E se a vossa imaginação não me levar muito longe, imaginem-me no sofá a beber capítulos atrás de capítulos. Quando fizer escala para mudar de livro, envio notícias.

 

Carol

 

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11.Jan.19

As segundas oportunidades deviam trazer um laço?

Não achas que devíamos saber dar segundas oportunidades? Não o pergunto por razão nenhuma em particular, só porque tenho estado a pensar nisto. Cansada de pensar tanto sobre o mesmo, para ser sincera. Estou enterrada debaixo de três mantas e nenhuma delas me aquece o suficiente para eu conseguir pregar olho e deixar de pensar - "segundas oportunidades". Para não falar das primeiras. Este assunto perseguiu-me o dia todo. E tu sabes como são os dias lá no café. Meia dúzia de clientes impacientes ao balcão à espera que lhes serviam o café para depois nem olharem para a nossa cara quando atiram as moedas para cima do balcão - "está certo?". Apetece-me sempre perguntar se se referem ao pagamento ou à atitude.

 

Hoje atendi um grupo de amigos completamente extasiados. Possivelmente, os melhores clientes do dia. Não que me tivessem convidado para sentar com eles, mas sabes como são os grupos de amigos: perdem tempo a escolher, a olhar para nós, a ouvir o que temos para sugerir e, no fim, não nos atiram o dinheiro com ar de desprezo. Enquanto servia cafés e descafeinados, estive a assistir à sua troca de presentes. Não percebi se adiantaram o natal, se o atrasaram ou se, pura e simplesmente, costumam fazer aquilo porque lhes apetece. Só se via papel de embrulho, sacos coloridos e laços espampanantes a voarem pelos ares. 

 

Estiveram no estabelecimento uma hora. Nem os gritos quase histéricos próprios da idade me irritaram. E nem sei se consegui esconder o meu desapontamento quando a porta se fechou e deixei de os ver. Ainda me aproximei sorrateiramente da montra, mas já não havia ninguém. O ambiente ficou novamente em silêncio e eu ali, entregue à impaciência de quem só "quer um café, por favor". Deves achar que estou para aqui a lamentar o facto de já não ter a idade daqueles miúdos, mas isso é porque ainda não te contei o resto. 

 

A 10 minutos de encerrar o estabelecimento, apareceu um rapaz. Aproximou-se do balcão, cabisbaixo. O gorro que trazia enfiado na cabeça mal deixava ver os olhos pequenos, escondidos atrás do cabelo despenteado. Os olhos dele mal conseguiam fixar os meus. Pousou um pequeno embrulho no balcão e pediu um copo de leite fresco. Não tinha cara de quem me fosse pedir uma cerveja, muito honestamente. Bebeu-o de uma assentada só. Espalhou algumas moedas na palma da mão e pediu-me que tirasse as que pagassem o seu pedido. Devias ter visto como ele estava triste. Não aquela tristeza que nos escorre pelo rosto ou que nos enruga a testa. O silêncio e o tom das poucas palavras. Era essa a tristeza dele. Peguei no dinheiro e, assim que virei costas para o guardar na caixa, apercebi-me da lentidão com que aquele miúdo se encaminhava para a saída. Levava as mãos dentro dos bolsos de um casaco demasiado largo e usado e cabeça a olhar para baixo, como se verificasse se os pés ainda ali estavam. Reparei no embrulho e ainda gritei - "olha, esqueceste-te disto!". Os nossos olhares cruzaram-se. Ele encolheu os ombros - "para que é que me dão um laço se não me dão uma segunda oportunidade?". 

 

E desapareceu. Desapareceu como desapareceram os miúdos que ali estiveram horas antes. A porta bateu. Ainda corri e espreitei lá para fora, mas nada. Ali estava eu, novamente sozinha. Eu e um embrulho perfeito. Achas que as segundas oportunidades deviam trazer um laço?

 

Guardei o presente esquecido junto às minhas coisas. Tenho esperança que o miúdo volte para o recuperar, depois de lhe darem a única coisa que ele, realmente, queria: uma segunda oportunidade. Ou, provavelmente, nunca saberei o que aconteceu. Certo é que  aquele gorro enfiado pela cabeça abaixo foi o embrulho que ele arranjou para passar despercebido num mundo em que damos sem nos darmos primeiro. 

 

Tomamos um copo de leite amanhã? Se já não te lembrares de mim, estarei de gorro, à tua espera.

T.

 

[carol]

 

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