6 fases que só quem vê séries compreende
Nos dias que correm é importante falarmos abertamente sobre os assuntos que mais nos preocupam, assuntos deveras fraturantes para a sociedade atual. Assim sendo, e sem mais rodeios, preparem-se: vamos falar sobre séries [já referi que é um tema fraturante?]. Calma, não vamos falar, especificamente, sobre séries, mas sim sobre quem assiste às mesmas [e que, por causa disso, deixa de ter vida para o que quer que seja, a não ser para devorar cinco temporadas em três dias].
Aqui entre nós, sériodependentes, acho importante deixarmos bem explicitas as fases que atravessamos. Passar um dia inteiro no sofá, de comando na mão, enquanto o mundo acontece lá fora não é fácil. É, para quem não nos compreende, uma tarefa árdua. A qualquer momento, alguém pode lembrar-se da nossa existência. E depois? Deixamos a meio o último episódio da temporada? Ficamos sem saber com quem acabou o protagonista ou quem o matou ou como o matou ou como poderá a sua vida continuar numa nova temporada? São muitas questões para um só cérebro. Não é fácil. Vivemos sempre na incerteza se podemos viver para a série ou na série.
Assumam-se sériodependentes e digam que me compreendem. Se ainda estão na dúvida, verifiquem os sintomas e tirem as vossas próprias conclusões. Estas são as fases que só quem vê séries compreende [e pelas quais todos os sériodependentes passam]:
1ª Fase - Desconfiança inicial. Não sabemos bem se gostamos. Começámos a ver porque a série nos foi sugerida por um amigo ou ouvimos boas críticas. Na verdade, estamos carentes porque não temos nada mais para ver enquanto esperamos pela próxima temporada de uma série que adoramos e encontramos algum conforto por começar a ver algo novo. Sentimo-nos reticentes e avançamos sempre prontos a abandonar sem remorsos, amigos na mesma e ninguém sai magoado desta relação. Geralmente, esta desconfiança desaparece por volta do segundo episódio [caso contrário, é óbvio que o melhor é mesmo desistir].
2ª Fase - A primeira pesquisa. Fase também conhecida como O Início Do Fim. Depois de dois episódios, e se estamos mesmo a gostar do que vemos, é inevitável uma visita rápida à internet para saber quem são os atores, como é a sua carreira, como surgiu a série, factos e curiosidades sobre a mesma, os bastidores, os melhores momentos, as entrevistas ao elenco, os vídeos sobre "Segredos que ninguém sabe"... Ninguém se prepara tão bem para uma entrevista de emprego como para assistir a uma série. É verdade. O nível mais avançado desta fase é seguir todos os atores nas redes sociais [inclusive o perfil da própria série] e sabermos que não há ninguém que saiba mais do que nós sobre todo aquele universo. Claro que é importante [imprescindível até] saber com que idade o protagonista decidiu que queria seguir representação.
3ª Fase - Não distinguir os conceitos 'realidade' e 'ficção'. Permitam-me que seja honesta, mas esta fase chega muito antes de nos apercebermos. Sabem quando estão na rua e passam por alguém que vos parece mesmo aquela personagem? E quando um amigo vos pede um conselho para resolver um problema e a primeira coisa que vos ocorre é que aquela situação é muito semelhante àquela pela qual a vossa personagem preferida passou? Parece que a série vos persegue. Os nomes, as expressões, as roupas e até as músicas. Quando damos por nós, fomos completamente apanhados pelas personagens e seriamos capazes de qualquer coisa para as ajudar [admitam!]. Criamos uma ligação afetiva com alguém que não existe e, aos nossos olhos, isso não é assustador. Bolas, passamos por momentos intensos juntos, é normal que se crie uma relação afetiva. Agora a sério: já alguma vez sentiram que a cara de uma personagem vos era mais familiar do que a cara de um familiar vosso?
4ª Fase - Bipolaridade de maratonista. Disto ninguém fala. Todos somos um bocadinho bipolares quando assistimos a uma série. A determinada altura, quando começamos a ver a meta, decidimos que queremos cortá-la o mais rapidamente possível, porém, sabemos que, ao fazê-lo, não nos resta nada se não esperar pela próxima corrida. Ponderamos sobre o assunto. É claro que estamos ansiosos [nervosos até!] para conhecer o final, mas o que será de nós depois? Fazemos uma pausa entre dois episódios. Esticamos as pernas. Se calhar, continuamos amanhã, demoramos mais um bocadinho a terminar para não vermos tudo num dia só... Tarde demais. É claro que ao último pensamento já estamos sentadinhos à espera que comece um novo episódio. O que seria de nós se não vissemos, no mínimo, uma temporada em 24 horas? Nem pensar nisso. Se tivermos de sofrer, que seja por não termos mais séries para ver [rima, mas na prática não é assim tão poético].
5ª Fase - Sós neste mundo. Mudança de perspetiva perante a 4ª fase: se tivermos de sofrer, que seja por ainda termos uma série para ver. Devíamos ter pensado nisso antes. Agora estamos sós. Sentimos que já não pertencemos aqui. Ninguém fala a nossa língua, ninguém entende as nossas piadas privadas, ninguém compreende como sobrevivemos sem saber quem é o culpado durante mais um ano porque afinal houve um plot twist e a produtora decidiu que tinha de fazer render o peixe até à próxima temporada. O nosso calendário já não se divide em meses, mas sim em temporadas. As nossas amizades não nos parecem tão interessantes porque ninguém matou ninguém. Aquela pessoa de quem nunca gostámos continua a ser a pessoa de quem nunca gostámos porque nunca muda da categoria 'má' para a categoria 'boa' [como aconteceu com aquela personagem que detestámos no primeiro episódio e que afinal merecia uma segunda oportunidade]. É como se, de repente, tivéssemos aterrado noutro mundo onde não sabemos viver. Que vida têm as pessoas que têm uma vida?
6ª Fase - Vontade incontrolável de apagar a nossa própria memória. Todos já o desejámos um dia. Embora esta fase esteja num outro patamar para todos os sériodependentes, é facilmente compreendida por todos os que têm uma série preferida. Quem nunca quis poder rever uma série e fazê-lo como se fosse a primeira vez? Não seria interessante passarmos pelas mesmas experiência? Sermos surpreendidos com um final que ninguém espera, sonharmos com a resolução de um caso de polícia, criarmos teorias sobre o futuro do casal de protagonistas, tentarmos chegar a uma conclusão sobre as boas intenções de determinada personagem? Até tenho receio de repetir muitas vezes [não vá a tecnologia fazer das suas], mas um produto para apagar memórias-carentes-e-cheias-de-bons-episódios seria, certamente, um sucesso de vendas. Depois desta fase, resta-nos esperar pelo aparecimento de uma nova 'vida' [boa sorte com isso!].
Não me deixem sozinha nisto. Sei que somos muitos a viver neste ciclo. Qual a fase com que mais se identificam? Já agora aproveito para vos deixar um conselho, dois, aliás: You e Sex Education [garanto-vos que tiveram direito a todas as fases descritas acima!]. Aqui entre nós, que falamos a mesma língua, algum conselho para mim?
Quando acharem que é só uma fase, desenganem-se: é uma temporada inteira!
Carol